O Núcleo de Pesquisas sobre Pactos Político-Territoriais e Desenvolvimento
Maira Magnani
Pesquisadora do NUPACT, mestranda pelo Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense.
Muito se discute sobre a atuação de investidores financeiros no território e os impactos econômicos, sociais e ambientais que essas atuações suscitam. Na pesquisa que desenvolvo, cujo intuito é investigar a atuação de um importante investidor financeiro e institucional brasileiro — os fundos de pensão — busco analisar não somente a carteira de imóveis desses atores, sua formação e expressões no território, como também me debruçar sobre a compreensão das práticas e estratégias adotadas por esses agentes no momento da condução do investimento imobiliário. Parto da premissa que somente o “retrato”, da localização e características principais dos investimentos, responde pouco no sentido da motivação do investimento imobiliário por parte desses importantes condutores de investimento urbano. Assim, quais são os critérios que mobilizam a tomada de decisão por um investimento? O que buscam no investimento imobiliário? Quem são os responsáveis pela seleção do investimento? E, por fim, de que maneira os resultados concretos, ou seja, a “fotografia” de seus investimentos no território, correspondem e estão relacionados aos fatores observados na gestão de seu portfólio e na condução da tomada de decisão de investimento?
Apesar de ter uma definição clara das perguntas que motivaram minha pesquisa, foi necessário reconhecer que somente através de um desenho metodológico consistente (e que abrangesse diferentes métodos) eu conseguiria atingir os objetivos propostos. Para além dos desafios impostos a qualquer pesquisa, estudar atores financeiros com tamanha profundidade exigiu uma readaptação dos métodos por dois motivos, em suma. O primeiro diz respeito ao fato de que esses agentes pouco se sentem confortáveis em partilhar suas racionalidades e opiniões – o que exige cuidado na formulação de perguntas e um “jeitinho” (quase antropológico) para entrar em seus espaços. O segundo, ainda mais sintomático no meu caso, diz respeito a relação pesquisador (eu, uma mulher jovem) e pesquisado (quase exclusivamente homens mais velhos). Costumo exemplificar essa segunda motivação com a seguinte ilustração: das mais de 20 entrevistas que fiz para esse pesquisa, somente uma entrevistada era mulher.
Escolhi me centrar no primeiro motivo porque o desenho metodológico (se é que podemos chamá-lo assim) para driblar as diferenças de gênero, idade e história entre os pesquisados e o pesquisador envolveu escolhas mais pessoais e menos “academicamente proveitosas”. Dentre elas, optar por roupas fechadas e escuras, usar maquiagem para parecer mais velha e, claro, não compartilhar o número de celular com facilidade. Com relação ao primeiro aspecto, contudo, uma das artimanhas que utilizei para driblar o espaço dos meus sujeitos pesquisados — e então compreender suas racionalidades — foi a metodologia da observação participante. A observação participante é uma metodologia de pesquisa inspirada na etnografia e nos estudos antropológicos na qual o observador (pesquisador) participa de eventos, ocasiões e atividades que são do interesse do investigado. Ao compartilhar do mesmo ambiente e da troca de experiências, é permitido, ao pesquisador, se integrar e recolher informações relevantes sobre como os investigados interagem entre si, o que discutem, defendem e partilham. Utilizei essa técnica de observação desde 2018, em pesquisa anterior, e acredito que ela foi essencial para a compreensão dos objetivos propostos, principalmente pelo fato de que, nas entrevistas, outro canal metodológico utilizado, os entrevistados muitas vezes respondiam aos questionamentos de maneira pouco esclarecedora, “velando” certas opiniões e não entrando na atmosfera do “close dialogue” (CLARK, 2000).
Pessoalmente sou uma grande incentivadora da metodologia de observação participante por ela permitir esse envolvimento real com o objeto/sujeito que pesquisamos. É na mesa do almoço, nos coffebreaks ou nos momentos de networking (sempre promovidos por esses eventos que participei) que conseguia captar algumas opiniões que me foram ocultadas em entrevistas ou categoricamente retiradas de matérias de jornais. Para além dessa razão, a observação participante é uma “porta de entrada” para adentrar em um tema de pesquisa, auxiliando consideravelmente no processo de repensar os objetivos e assinalando temas e discussões que muitas vezes são ignorados por nós, pesquisadores, no momento da definição do projeto de pesquisa. Por fim, foi através do diálogo com alguns profissionais nesses espaços que me foi possível obter uma quantidade razoável de entrevistas. Por essas duas últimas razões, incentivo os pesquisadores a procurarem participar de eventos e ambientes compartilhados pelo seu objeto de estudo desde os primeiros meses da pesquisa.
Escrevi esse texto que revela parte da minha experiência sobre um método em especifico – a observação participante – para salientar a necessidade de pensar o desenho metodológico nas pesquisas da geografia econômica e urbana de modo a compreender de maneira mais atenta a atuação dos agentes envolvidos no processo de construção das cidades. A saída metodológica, na minha curta experiência, me pareceu ser a mais provável para que consigamos superar os desafios impostos pelos nossos temas de pesquisa e, ao que me parece, ela exige o diálogo com outros campos das ciências humanas e suas usuárias metodologias.
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