O Núcleo de Pesquisas sobre Pactos Político-Territoriais e Desenvolvimento

A inserção dos fundos de pensão no setor de infraestrutura: Avanços e limites do processo de transformação da infraestrutura em classe de ativo

Eduardo Pederneira

 

O processo de financeirização da infraestrutura no Brasil pode ter como marco temporal a lei de concessões de 1995[1]. Todavia, não podemos deixar de considerar os investidores que participaram de forma relevante no fomento ao processo estudado:os fundos de pensão ligados a empresas estatais, em particular Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal).

Ao longo da minha pesquisa de mestrado, tentei analisar o processo de financeirização da infraestrutura, concluí que algumas escolhas de estrutura do trabalho eram importantes[2] para melhor compreensão do leitor. De início, para se compreender o processo de financeirização no Brasil, deveríamos comparar nossa realidade com o processo em países centrais do capitalismo, que se encontram na vanguarda das mudanças econômicas e possuem instituições mais fortes para regulá-las. Sendo assim, após a compreensão do surgimento de processos de financeirização a partir dos anos 1970 nos países centrais e suas características, foi possível identificar o processo no Brasil.

Em ambos as situações, o discurso de falência ou endividamento do Estado fortaleceu as medidas de privatização e concessões; contudo, no caso brasileiro, identificamos uma forte presença de instituições públicas, ou com forte influência política, no fomento aos programas de alienação de bens públicos. Instituições como BNDES e fundos de pensão foram essenciais nesse processo, adquirindo ativos ou financiando investidores.

Dessa maneira, partimos da contextualização global do processo de financeirização nos países ricos para analisar o desenvolvimento da financeirização da previdência[3] e como as instituições de previdência complementar foram importantes na transformação da infraestrutura e “classe de ativo” (O’NEILL, 2013). Dessa forma, após a análise dos processos em escala global,  passamos para a realidade brasileira, com o objetivo de compreender o surgimento dos fundos de pensão no país, a proximidade entre os planos de previdência complementar e empresas estatais. A escolha dos investidores (os fundos de pensão: Previ, Petros e Funcef), foi feita devido ao recorte espacial definido, a cidade do Rio de Janeiro, que privilegiou equipamentos de infraestrutura concedidos na cidade e controlados pelos fundos de pensão através da empresa Invepar. A Invepar é uma empresa que possui em seu capital acionário os três fundos de pensão citados, que juntos detém 75% da companhia. Na cidade do Rio de Janeiro, os fundos possuem, por meio da empresa, importantes ativos de mobilidade, como Metrô, BRT Transolímpico, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) e a via expressa Linha Amarela. Por fim, no último capítulo do trabalho apresentamos o arcabouço legal que possibilitou a inserção dos fundos no setor de infraestrutura, o perfil da empresa Invepar e dos ativos localizados na cidade. Concluindo o capítulo, discutimos as características do processo de financeirização nos países centrais em contraposição com a realidade local e as conclusões que podem ser extraídas por meio dos dados colhidos e possibilidades de pesquisas.

 

Resultados obtidos

 

            Notamos ao longo da pesquisa que o processo de financeirização foi fortemente incentivado pelo ente público. Por meio da estruturação do arcabouço legal idealizado desde os anos 1990 e instituições como os fundos de pensão ligados a empresa estatais, o processo de financeirização da infraestrutura[4] pôde ser desenvolvido. Desde 2004, o Estado brasileiro criou duas legislações que passaram a dar segurança para os investidores privados. A já citada lei de concessões e a lei de Parcerias Público Privadas (PPP) de 2004 embasaram os mais variados contratos no setor de infraestrutura. Uma diferença importante entre os dois tipos de contrato refere-se ao perfil das concessões, muito pautado no retorno oriundo das tarifas e receitas alternativas, o que pode encarecer os serviços para o usuário, observável nos conflitos judiciais entre prefeitura do Rio de Janeiro e concessionária Lamsa, que debatem o valor do pedágio pago, um dos maiores do país para uma via expressa urbana. Já a PPP tem como caraterística a presença da administração pública como parceira, o que diminui os custos do usuário em caso de necessidade de aumento de tarifas. Nesses casos, o ente público surge como amortecedor dos custos, aumentando as despesas públicas.

            Foi possível notar os usos que o investidor faz de ativos como o de infraestrutura. Além das receitas oriundas das tarifas pagas pelos usuários, o investidor tem liberdade para explorar comercialmente rendas alternativas. Essas receitas podem ser por meio de publicidade, aluguéis de espaços e cessão de áreas das concessões para atração de outros investidores e serviços que possam pagar aluguéis, atraindo consumidores e usuários.

            Além das receitas alternativas mais “convencionais”, os investidores podem obter ganhos de capital adicionais ao valor investido inicialmente por meio da venda do serviço, em caso de valorização. Isso pode ser feito devido à obtenção de resultados melhores que imaginados no serviço, aumento da demanda em decorrência da sinergia com outros serviços que surjam e por meio de investimentos adicionais realizados que possibilitem o aumento das receitas e maior consolidação do serviço.  Outro meio de obtenção de rendimentos pode ser exemplificado pela securitização de ativos, que se caracteriza pela possibilidade do investidor adquirir um título de dívida, por exemplo, tendo como garantias as receitas do serviço sob sua concessão. Esse tipo de instrumento pode ser muito utilizado por investidores de infraestrutura, tendo em vista o tempo dos contratos e as receitas relativamente estáveis, em função de possuirem usuários frequentes e reajustes tarifários anuais geralmente com a inflação como indexador. Esse tipo medida pode ser bastante prejudicial para o usuário, que pode ter que pagar mais caro no futuro, caso mudem os parâmetros do empréstimo contraído, ou por queda de receitas, tendo que haver reajuste para pagar os passivos contraídos pelo investidor.

            Podemos notar que a financeirização das infraestruturas urbanas contribui para a transformação do serviço em um ativo financeiro utilizado pelos investidores, sem considerar os impactos sociais.

 

Perspectivas futuras

 

O papel do Estado no processo de financeirização da infraestrutura tendo os fundos de pensão ligados a empresas estatais foi fundamental. A criação de um arcaboulo legal que permitiu a concessão de várias infraestruturas reduzindo riscos jurídicos e a lei de PPPs que reduziu os riscos econômicos em projetos mais incertos. A importância estatal foi fundamental nas privatizações das empresas públicas nos anos 1990, assim como fos fundos de pensão, que em ambos os processos surgem como viabilizadores das medidas e interessados, tendo em vista as possibilidades financeiras e econômicas. Notamos também que os discursos que incentivaram as privatizações e concessões, assim como contenções fiscais que são marcas do processo de financeirização, não ocorreu apenas no Brasil, mas em vários países centrais do sistema capitalista.

Como foi possível constatar nas entrevistas realizadas para a pesquisa, a Invepar já não é um investimento de destaque para os fundos de pensão, devido aos riscos existentes no empreendimento e aos possíveis prejuízos dos serviços que os fundos, como acionistas da empresa, precisam equacionar. Por serem acionistas majoritários, carregam riscos relacionados à gestão direta de um serviço de infraestrutura de massas. Os riscos (acidentes ou desastres ambientais, por exemplo) envolvidos na gestão dos serviços de infraestrutura urbana, são empecilhos que o investidor como o fundo não precisa ter, na visão de um dos entrevistados para a pesquisa. Sendo assim, as formas alternativas de investir em infraestrutura para o entrevistado, tendem a chamar mais atenção desses investidores institucionais, dinamizando ainda mais esse mercado.

            As possibilidades de pesquisa futura passam por analisar as circunstâncias e medidas que possibilitaram e fomentaram o processo de financeirização no país. Além disso, convém uma análise mais detalhada dos impactos sociais e espaciais das concessões. A investigação de outros investidores nesse mercado de infraestrutura também é relevante. Investidores de private equity[5] cresceram no país nos últimos anos e, com a queda da taxa de juros, foram em busca de investimentos alternativos, entre os quais se enquadram os ativos de infraestrutura. O mercado de debêntures, incentivadas pelo Estado com uma séria de medidas, também é um setor com grande possibilidade de crescimento. Investimentos brownfields e greenfields são possibilidades para analisar e ter maior previsão dos riscos envolvidos nos projetos adquiridos. Os brownfields são projetos já finalizados, muitas vezes já operacionais, o que diminui o risco do invesidor que já teria como prever o retorno, já os greenfields, são projetos ainda em fase inicial, ou seja, dificultando a previsão dos riscos envolvidos. Essas análises são essenciais para o investidor que for investir, por exemplo, por meio de papéis como debêntures. De acordo com o risco do empreendimento, o investidor pode ter diferentes níveis de rendimento no dinheiro investido.

            O processo de fomento da financeirização das infraestruturas urbanas liderado pelos fundos de pensão colocou as infraestruturas como ativos capazes de dinamizar o mercado de capitais de diferentes maneiras, estudos sobre o tema que abarca outros setores de grande relevância para a vida nas cidades, como saneamento básico são de grande importância e a geografia surge com enorme capacidade de diálogo para os estudos.

 


[1] Poderíamos utilizar o surgimento dos fundos de pensão entre as décadas de 1960/1970, ou o primeiro programa de desestatização do governo Collor. Contudo, nesta pesquisa optamos pela lei de concessões em 1995, já que boa parte dos contratos de infraestrutura estudados são regidos por essa lei.

[2] Escolhemos uma estrutura para a dissertação de acordo com as escalas. Ou seja, começamos pela escala global com foco nos países centrais do capitalismo e o desenvolvimento do processo de financeirização. Em seguida passamos para o surgimento dos fundos de pensão estudados, nesse ponto chegamos na escala nacional, que permanece no capítulo seguinte, quando analisamos o arcabouço legal criado. Para só então adentrarmos na cidade do Rio de Janeiro, foco de nosso estudo.

[3] Me referi aos planos de previdência complementar quando falo em financeirização da previdência, ou seja, o crescimento de um modelo de previdência individual em vez da solidariedade geracional.

[4] Segundo O’Neill, a operacionalização da financeirização da infraestrutura exige três aspectos: 1) os serviços precisam gerar retornos competitivos para os investidores; 2) as características de um serviço infraestrutura precisa ser modificada para um serviço de infraestrutura como produto financeiro, características de propriedade são fundamentais; 3) por fim, é preciso maior controle do uso desses serviços, para que se garanta a absorção dos fluxos urbanos.

[5] Nesse tipo de investimento, o investidor aporta uma determinada quantia em fundo. Esse fundo tem como meta, estabelecida em contrato, aportar a quantia recolhida em algum projeto, como uma empresa com capacidade de crescimento. 

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